Saturday, April 7, 2007

A Classe Operária

A classe operária

Em 1974, conheci o David Capistrano Filho, na época, um estudante de pós-graduação na Medicina Preventiva. Sabia que ele era do Partidão e sua busca pelo pai, que estava “desaparecido” após ter sido preso na fronteira do País, nos aproximou muito. Em 1978, como dirigente do PCB, ele me pediu para ajudá-lo na reconstrução do Partidão na região operária do ABC. Na região, só tínhamos conhecimento das pessoas presas pela ditadura: uma base da Volks, cujos integrantes haviam sido todos presos em 1972, e alguns dos meus contemporâneos de prisão. Um outro ponto para iniciar era a Associação dos Metalúrgicos Aposentados de Santo André, onde não ocorreram prisões. Comecei a visitá-los, um a um, a partir dos já conhecidos. Em 1980 já tínhamos bases nas principais cidades da Região, mas sem grandes lideranças, com exceção de São Caetano.

Em 1979, finalizada a graduação, casei e fui prestar serviço militar como médico. Um erro deu a pista de que eu ainda estava em atividade política para os órgãos de segurança. Fui expulso e fiquei desempregado da noite para o dia, com minha esposa na primeira gravidez (ela acabou perdendo esta gravidez por aborto espontâneo a seguir à minha expulsão), e com uma dívida que contava pagar com meu salário de oficial militar médico. Ao saber desta história, em um ato de solidariedade, um colega médico do Partidão me ofereceu seu emprego no Sindicato dos Metalúrgicos de Santo André. Foi a primeira vez que eu encontrei o Gastão Wagner Campos, futuro Secretário Executivo do Ministério da Saúde.

Em 1980 mudei para São Caetano do Sul. Trabalhava pela manhã no Centro de Saúde de São Bernardo no Programa de Hanseníase e a tarde no Sindicato dos Metalúrgicos de Santo André como Clínico Geral.

Me especializei em medicina do trabalho e era programa do Partidão introduzir a medicina do trabalho em Sindicatos. A medicina do trabalho em Sindicatos ajuda a organização do Sindicato pelas bases, pois cada local de trabalho tem um risco específico. Estabelece a possibilidade de reivindicações ao longo de todo o ano, ao contrário das reivindicações salariais que acontecem somente uma vez ao ano. Amplia a consciência sanitária dos trabalhadores, principalmente daqueles que passam a monitorar as condições de trabalho pelo programa de medicina do trabalho do Sindicato.

O primeiro Sindicato ao qual fomos (David Capistrano e mais uns quatro companheiros da medicina do trabalho) expor esta idéia, foi o Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo, presidido por Lula. Ele e seus colegas de Diretoria ouviram mas não aprovaram a idéia (não queriam a nossa presença dentro do sindicato). Aproveitei uma mudança de Diretoria no Sindicato dos Metalúrgicos de Santo André e fiz esta proposta. Para minha surpresa aceitaram sem hesitação. No quarto dia que exercia a função de Médico do Trabalho do Sindicato, lançei o programa através de uma panfletagem na porta das principais fábricas e apareceu minha foto vestido de branco na porta de uma fábrica na primeira página do jornal de maior circulação da região, Diário do Grande ABC. Na tarde deste mesmo dia, a Polícia Federal ligou para o Sindicato que me despediu logo a seguir.

Por quatro dias fui o primeiro Médico de Trabalho de Sindicato do Brasil. A seguir o Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo adotou este programa. Mais tarde, o Sindicato dos Metalúrgicos de Guarulhos me chamou para implantar este programa. Um ano depois, o Sindicato do Lula adotou este programa também. Infelizmente, após a democratização, a medicina do trabalho em Sindicatos foi minguando e não tenho mais notícias desta atividade em qualquer Sindicato.

Em São Caetano, passei a ser o chofer do líder da oposição sindical, aquele que iria ganhar a próxima eleição do Sindicato, o Frei Chico. Através dele e de seu grupo passei a viver o nascimento do movimento operário no ABC.

A primeira greve dos metalúrgicos foi em 1979 sob a liderança de Lula. Após 1964 todos os Sindicatos sofreram intervenções e seus dirigentes foram indicados pelas empresas e tinham a aprovação dos órgãos de segurança. Sao Bernardo não era exceção. Quando Lula virou dirigente sindical pela primeira vez, o Presidente de sua chapa era um destes dirigentes indicados, que eram chamados de “pelegos” pela esquerda. A partir desta composição ele se candidata a presidente do sindicato em substituição a este dirigente pelego. Em 1978 surge a Revista Isto É, sobre a direção de Mino Carta, que tem acesso a informações censuradas e privilegiadas devido a suas ligações com o General Golbery, mentor da transição da ditadura rumo a democracia por dentro do regime. Esta revista se torna a mais lida pelo mundo político. Em 1979, quando Lula já é Presidente do Sindicato, a primeira greve por aumento salarial é lançada, dura pouco e é vitoriosa. Lula vira capa da revista “Isto É” e é lançado por esta revista como líder do novo sindicalismo e do movimento operário. O aumento de 8% no salário foi repassado aos consumidores logo a seguir. Tínhamos poucas pessoas em São Bernardo mas um companheiro da fábrica Voigt, nos contou que a greve nesta empresa foi organizada de cima para baixo. Os supervisores foram ao chão da fábrica tirar os trabalhadores de seus postos de trabalho pois eles deveriam estar em greve de acordo com o Sindicato.

O Partidão tinha um “quadro”, um militante especial, no movimento metalúrgico que trabalhava em São Paulo. O Newton Candido conseguiu ser transferido para São Bernardo. Na sua primeira intervenção em uma Assembléia do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo, rachou a votação contra uma proposta do Lula. No dia seguinte a Polícia Federal esteve na fábrica e ele foi removido de volta para São Paulo.

Para nós tudo era muito confuso. De um lado havia uma orquestração de lançar um sindicalismo a partir do ABC de tipo social-democrata para substituir o vácuo que os comunistas ocupavam no movimento sindical antes de 1964. Por outro lado o movimento grevista era genuíno e de massa. Na campanha salarial de 1980 os comunistas do ABC participaram ativamente, e apoiaram o prolongamento da greve após a prisão de Lula.

Chegou o dia para a eleição no Sindicato dos Metalúrgicos de São Caetano. Nossa chapa encabeçada pelo Frei Chico, irmão de Lula, líder da greve em São Caetano tinha uns 90% de apoio do eleitorado conforme nossas previsões. Eu estava na porta do sindicato na noite após as eleições quando chegaram carros com gente desconhecida (provavelmente a Polícia) e trocaram as urnas na nossa cara. No dia seguinte o pelego continuou no Sindicato depois de uma vitória de 90% dos votos contra a chapa do Frei Chico. No meio do bate boca que se seguiu um deles gritou: “lugar do Partidão é em São Paulo, aqui no ABC vocês não entram.” Todos os integrantes da chapa nunca mais conseguiram emprego em São Caetano, inclusive o Frei Chico.

A primeira assembléia cuja pauta era a formação do PT no ABC ocorreu em Santo André que estava com a direção de um dirigente pelego, ainda da época da intervenção nos Sindicatos. São Bernardo apoiou oficialmente a proposta meses depois. Neste ínterim fui enviado em nome de Alberto Goldman, na época Secretário Executivo do PMDB, para falar com Lula sobre a possibilidade dele criar e dirigir o Departamento Trabalhista do PMDB. Levava comigo 1.500 fichas de filiação. A política do Partidão ainda era a do fortalecimento da frente anti-ditadura até as primeiras eleições diretas a Presidente, ocasião em que lançou candidato próprio (Roberto Freire). Pedi a Lula uma conversa a sós. Ele me atendeu e após explicar do que se tratava, ele abriu a porta da sala em que estávamos, chamou todos os demais membros da Diretoria, expôs o que se tratava, e daí em diante foi só gozação em cima da proposta e em cima de mim. Ali, ficou claro para mim, que o Sinticato do Lula nao queria ser manobra de um sistema político já estabelecido, e que já estavam comprometidos com um projeto político próprio. Saí de lá sem saber se fui eu que joguei as fichas de filiação no lixo ou se foi o Lula logo depois.

O PT concorreu às eleições de 1982 com Lula candidato a Governador. O Partidão apoiou Franco Montoro, mas no ABC apoiou Lula. Apesar de ser a política do Partidão apoiar candidatos da frente democrática, não podíamos nos descolar do movimento real que estava acontecendo no ABC (a construção do PT).

A vitória de Franco Montoro abriu muitas possibilidades para membros do Partido ocuparem cargos de direção na máquina do Governo. Muitos que optaram por estes cargos nunca mais voltaram à militância política. Aconteceu nesta época o mesmo que aconteceu com a vitória do PT em 2002. Muitos jovens chegando ao poder, substituindo antigos funcionarios, mas sem saber o que fazer para mudar o status quo (além de um monte de reuniões de planejamento).

Em 1983 já estou de volta em Sao Paulo, e tenho a oportunidade de trabalhar como professor universitário. A anistia política trouxe de volta antigos dirigentes do Partido, entre eles o velho Prestes. A entrada das idéias contrárias à democracia, “coisa de burgueses”, culminou com uma luta interna e conseguiu o que nem a Ditadura conseguiu, a destruição do pouco que havíamos organizado. O grupo de militantes sob a liderança de David Capistrano adota a medida de se diluir dentro do PT, sem manutenção de identidade de facção. Eu aproveito minha ida para a Universidade e adoto o “Partido Universitário” como meu novo partido, ou seja, um professor universitário deve ser militante da ciência e lançar sempre perguntas aos alunos, diferente do que fazem os Partidos que disputam o poder, que vendem soluções prontas ao público.