Monday, August 27, 2007

Deixa de ser frouxo que o ferro é duro!

Esta peça é fruto do testemunho de reuniões da base do PCB em São Caetano do Sul, durante os anos de 1980 e 81. Todos os persongens correspondem a pessoas reais, assim como os diálogos reproduzem fatos.

Em memória ao amigo Artur Cidrim, que revisou as primerias versões desse texto. Uma pequena homenagem a quem levou, através do teatro, a alegria e a meditação para pessoas que de outra forma não teriam tido contato com essa arte.

“DEIXA DE SER FROUXO QUE O FERRO É DURO"

Personagens:

Gilmar
Juca
Cajarana
Negão
Severino
Maria
Marcos
Careca
Relações Industriais
Irmão da Maria
Pretendente de Maria
Mãe da Maria
Dono do Bar


Autor: Davi Rumel


ATO 1

Ambiente: Bar com balcão e mesa. Estão no balcão tomando cerveja: Marcos, Gilmar, Juca, Negão, Severino. Maria e Cajarana aparecem no bar e se dirigem a eles

Cajarana: Oi, turma!
Maria: Oi! (beija a todos)
Cajarana: Como é que é chefia, quanto é um sanduba desse de pernil?
Dono do bar: Dez reais.
Cajarana: Esquece o sanduba e me dá uma coxinha (dirige-se a mesa).
Juca: Manda mais uma loirinha que o solteiro chegou.
Cajarana: Ichi! Vou casar logo e estou cheio de despesa. Alguém vai ter que pagar esta cerveja para mim.
Maria: Como é que vai ser a greve esse ano? Dentro ou fora das fábricas?
Negão: 0 ano passado foi dentro e deu certo.
Gilmar: Este ano talvez tenha que ser diferente. 0 problema é que não vai ser fácil organizar a greve com os pelegos no Sindicato.
Cajarana: É importante que na primeira assembléia elejamos uma comissão de negociação. Nesta comissão você deve entrar (dirigindo-se a Gilmar), assim como alguém da diretoria.
Marcos: Êpa! Vai devagar! Porque alguém da diretoria?
Cajarana: For que se formos contra que alguém da diretoria participe, o pessoal poderá pensar que é briguinha da oposição. Agora que estamos em campanha salarial, devemos estar todos juntos. Se o Sindicato não estiver forte, não dá para encarar uma negociação com os patrões.
Negão: Chi, mas aqueles caras são tão ruins.
Gilmar: Vai devagar! Uma coisa de cada vez. Nas próximas eleições a gente tira eles de lá. Agora é momento de mobilizar a categoria e para isso precisamos dos recursos do Sindicato.
Juca: Não temos dinheiro nem para molhar a garganta, o que dirá para rodar boletim.
Marcos: Tudo bem. Quem vai defender as nossas propostas?
Maria: Vamos ver se aparece gente nova, senão o pessoal cança de toda vez sempre as mesmas caras.
Juca: A mesma cara e a mesma coragem. Precisamos tomar cuidado. Fora os diretores do Sindicato, ninguém tem estabilidade no emprego, e todo mundo sabe que nas assembléias está cheio de olheiro.
Gilmar: Mas mesmo assim é bom que mais gente fale. Precisamos horizontalizar mais e verticalizar menos.
Severino: Acuma?
Gilmar: Precisamos que a categoria sinta que mais gente está assumindo a direção da sua luta. Assembléias em que são sempre as mesmas pessoas que falam, acostuma mal este povo. Eles só entram na briga se estiver o pessoal conhecido na cabeça, como se sem aquela liderança a luta deixasse de existir. Precisamos mudar isto.
Juca: Entendi (sem muita convicção), então vamos ver quem arrisca
a pele.
Negão: Eu topo. Deixa comigo. Só vou querer que alguém me ajude a por as coisas no papel para eu decorar em casa.
Cajarana: Eu ajudo.
Severino: Licença. Deixa eu dar um palpite. Nós estamos discutindo o que fazer na assembléia, mas quem é que vai escutar a gente. Se depender da diretoria, nós vamos falar para as paredes. Eles vão distribuir poucas convocatórias. Precisamos dar uma mãozinha.
Maria: Eu distribuo a convocatória na minha fábrica.
Juca: você está caçando desemprego mulher? ninguém deve distribuir dentro de sua própria fábrica. Cada um distribui em fábrica d1ferente.
Gilmar: Vamos então para o Sindicato.

ENTREATO

Seqüência de slides e falas retiradas de texto de jornal da época demonstrando a evolução dos acontecimentos.


ATO 2

Ambiente: Local de reunião com rádio ligado. Alegria no ambiente Negão: não sou craque de bola, galã de novela, nem cantor de roquenrou. Sou é operário, mas estou nas paradas. Olha lá! (erguendo o Jornal) "METALÚRGICOS EM GREVE".
Gilmar: 70% do pessoal está de braços cruzados. 0 negócio agora é ver o quanto a turma aguenta. Temos que ampliar o fundo de greve. Saco vazio não para em pé.
Cajarana: Ta todo mundo com a gente. As igrejas estão recolhendo mantimentos. Na assembléia Legislativa tem um posto de coleta aberta o dia todo. Os estudantes também estão ajudando, trazendo dinheiro e sendo voluntários nos postos de coleta.
Radio: Atenção! Atenção! Radio Camanducaia em edição extraordinária! 0 Tribunal da Justiça do Trabalho de São Paulo acabou de declarar que a Greve dos Metalúrgicos do ABC é legal (comemoração)
Rádio: Silêncio! Silêncio! A noticia ainda não acabou. 0 despacho do Digníssimo Meritíssimo determina ainda que seja dado um aumento de 7%, o que vem a ser 3% a mais que a proposta da FIESP, 8% a menos do que queriam os metalúrgicos.
Negão: (ambiente de consternação) Por que o digníssimo corníssimo viadíssimo, não deu logo os 15%?
Marcos: Não tem nada não. Ele deu só 7%. Vamos botar pra quebrar para conseguir o resto.
Severino: 15% ou Greve. A greve continua.
Negão: (entrando no local, dirigindo-se a Juca e Gilmar) Vamos lá minha gente. Por que esta cara de velório? Qual é o drama?
Gilmar: 0 drama é que a turma do interior segurou a greve até agora com muito custo. Não acredito que os patrões vão ceder. E, nesta altura, a briga não é mais com os patrões, e sim com o governo. E a gente sabe que as fábricas têm seguro contra grave. 0 fato do Tribunal não ter decretado a ilegalidade da greve é inédito. Isto garante que ninguém poderá ser dispensado por justa causa, que ganharemos estes dias e ainda abre o precedente para que o mesmo aconteça com qualquer outra greve que venha a ocorrer no país.
Negão: Trocando em miúdos, você está propondo o quê?
Gilmar: Vamos parar para pensar. Temos força para derrubar este governo? (pausa) Não. Então vamos parar.
Marcos: Você está louco cara? Você está querendo parar quando estamos no começo, no auge da mobilização!
Maria: Quando estamos parados os patrões não tam lucro, e eles só entendem o que queremos quando começamos a mexer em seus bolsos.
Eu não estou entendendo nada. A gente organiza uma grave para pedir aumento e depois é para a gente ficar contente porque recebemos os dias que ficamos em greve? Ouvi dizer que no porto de Santos há uma enorme quantidade de navios parados porque as exportações de carros pararam. Isto é prejuízo para os patrões.
Gilmar: E para o Governo? É prejuízo? Só os trabalhadores que pagam impostos neste país! É o conjunto dos trabalhadores quem está cobrindo estes prejuízos.
Marcos: 0 que você quer dizer então? Que nós nunca vamos conseguir nada, que temos que aceitar tudo que vem dos patrões?
Gilmar: Não é nada disto. É que ainda não é hora para o tudo ou nada. Precisamos acumular forças. Uma greve dessas, para ter sucesso, precisaria do apoio de todos os trabalhadores do país. E não e uma questão só de greve, é um problema de poder político. Não adianta nada dar um aumento de 15% e aumentarem os preços d tudo no dia seguinte em 30%.
Marcos: Então porque entramos em grave?
Gilmar: Para ver até onde podíamos ir neste momento. Conseguimos uma paralisação geral no ABC, parcial no interior, um julgamento inédito de um tribunal de trabalho dando legalidade a uma greve, e um aumento não ideal, mas superior ao proposto inicial pelos patrões. Acredito que tudo isso fortaleceu a nossa categoria e os Sindicatos. Surgiram lideranças autênticas que hão de tirar os pelegos dos Sindicatos.
Juca: Então vai lá na assembléia dizer isto. Até uma semana atrás estávamos convencendo as pessoas a entrar em grave pelos 15%. Agora é para voltar para a fábrica porque só mudando o governo é que vamos conseguir o que queremos.
Gilmar: Eu não vou dizer nada. Eu não vou arriscar minha cabeça, e quem quiser brecar o movimento agora vai ser atropelado. Vamos ver até onde todos vão agüentar. Mas se vermos que a solidariedade diminuiu e a turma está furando a greve, eu vou propor o retorno na assembléia do Sindicato.


ENTREATO

Slides e Leitura de trechos de Jornais da época (1980), mostrando os acontecimentos.


ATO 3

Ambiente: Local de reunião

Negão: (entrando) Prenderam o Lula.
Cajarana: Era só o que faltava. Além de terem invadido o Sindicato prenderam a liderança.
Juca: Está difícil segurar a turma no piquete. As fábricas pequenas e médias estão quase todas trabalhando.
Negão: É, acho que está na hora de parar. Quanto mais tempo passa, mais difícil fica voltar para a fábrica. O pessoal mais mobilizado vai ser identificado facilmente.
Severino: 0 Gilmar tinha razão. Vamos voltar para a fábrica.
Gilmar: Nada disso, agora é que a gente não deve voltar.
Marcos: Esse cara é doido. Queria parar quando a gente estava por cima e quer resistir quando a gente está por baixo.
Gilmar: Devemos manter a greve nem que seja mais por alguns dias. Não pelos 15%, mas pela desocupação do Sindicato pela polícia e pela liberdade da liderança. Precisamos entrar em contato com todas as correntes de oposição do país. Estão em jogo as liberdades democráticas conquistadas até agora.
Severino: Como organizaremos esta solidariedade?
Juca: O apoio dos deputados é fundamental. Precisamos trazê-los para o ABC para participar da próxima assembléia. Eu vou até a Ordem dos Advogados pedir para que eles se pronunciem a respeito.
Juca: Eu vou para a assembléia Legislativa.
Marcos: Eu vou com você.

ENTREATO

Slides e textos de jornais da época.

ATO 4

Ambiente: Bar com muita garrafa no balcão.

Negão: Depois da greve fui mandado embora na primeira leva da
minha fábrica. Já passei em dois testes, mas na hora de assinar a carteira desconversam. Ontem saí cedo de casa todo animado achando que tinha arrumado trabalho. Cheguei lá e me disseram que infelizmente não ia dar porque houve um engano e minha vaga já tinha sido preenchida.
Juca: Pode ter certeza irmão que você esta, na lista negra da FIESP. Aqui no ABC você não consegue mais emprego.
Negão: Não fale isto não, eu conheço alguns amigos na CONTAL e vou tentar lá amanhã.
Marcos: Eu tive mais sorte. Fui mandado embora, mas depois de um mês consegui emprego perto da minha casa. São três turnos em rodízio e uma poeira lascada, mas pelo menos é trabalho. Com o fundo de garantia que levantei depois de seis anos de firma, deu para comprar um Fusca 75.
Negão: Se eu não conseguir emprego, estava a fim de encarar um táxi. Mas a turma do bairro que trabalha na praça, disse que com o aumento da gasolina mal e mal está dando para comer. E olha que eles batalham de 12 a 14 horas por dia.
Cajarana: (Chegando no bar) Olá moçada! Chorando as mágoas? Vamos deixar de choro e trocar umas idéias de como é que vamos faturar aquele sindicato.
Juca: Você tem razão, vamos tocar o jogo, e já tem bola dividida.
Gilmar: (entrando) Estão falando mal de mim?
Juca: Ia começar a falar.
Severino: (Entrou junto com o Gilmar) Oi gente?
Negão: Boas noites.
Cajarana: Por favor, sentem-se. O Juca estava falando da eleição do sindicato.
Juca: 0 problema é o seguinte: a atua1 diretoria propôs que façamos uma chapa única com eles. Entraria na Executiva eu e o Gilmar, eles entrariam nas outras cinco vagas e nós poderíamos indicar metade dos diretores de base. É claro que nesta composição quem fica com a presidência são eles.
Gilmar: Esta proposta é boa. 0 que o atual presidente quer é não perder o emprego de dirigente sindical. Continuar roubando e não voltar para a fábrica. Agora, política para a categoria ele não tem, e como nós temos, poderemos fazer muito mais do que fazemos agora, já que estamos todos trabalhando e sem estabilidade no emprego.
Marcos (Bate na mesa): Achei nojenta esta proposta. Você prefere conciliar com o ladrão que acreditar na categoria? Este pulha que está aí na Diretoria está totalmente desgastado na base. Por que malte-lo? Temos que ir com uma chapa de oposição com o Gilmar na cabeça, que é o líder de fato da categoria.
Cajarana: (interrompendo) não se esqueça que afanaram nas eleições anteriores.
Marcos: Dá licença, ainda não acabei meu raciocínio. E como eu estava dizendo, se não lançarmos uma chapa de oposição, outros lançarão. E aí vai ser bonito, nós e uns pelegos de um lado, e a categoria com a liderança de uns aventureiros de outro.
Cajarana: Tudo isto que você falou é muito bonito. Você é muito ingênuo. Você acha que eles vão entregar o sindicato de graça? Eles estão com a máquina na mão. Na última eleição, quem ganhou não levou. Há mil mandracarias para trocar os votos das urnas. 0 processo de fraude da última eleição corre na justeza até hoje.
Marcos: você é frouxo mesmo, não acredita na massa.
Juca: Espera lá, vamos com calma. Aqui ninguém é frouxo. É que o ferro é duro mesmo. Proponho que consultemos as pessoas próximas da gente. Vamos ver o que eles acham que devemos fazer.
Severino: Boa idéia.

(Descem ao público e cada ator discute com um grupo. Sobem e continuam com a reunião)

Cajarana: A maioria dos que conversei acha que nós temos que ir para a briga.
Negão: Tem gente que disse que irá até parar de conversar com a gente se sairmos juntos com eles.
Marcos: Do meu lado é a mesma coisa.
Juca: Eu fui procurado pela Diretoria e eles já querem a carteira de trabalho de todo o mundo para inscrever a chapa.
Maria (entrando): 0i gente, acabo de ser despedida da fábrica.
Severino: Oh xente, lá se foi nosso Departamento Feminino.
Marcos: estão vendo como é que é. Com uma mão propõe chapa conjunta, com a outra dedam para os patrões os melhores elementos da base. 0 Negão até agora não conseguiu emprego. Agora é a vez da Maria estar no olho da rua.
Gilmar (em pé): Vamos pro pau, e seja o que Deus quiser. Precisamos marcar o lançamento de nosso Movimento de Oposição.

DIÁLOGO CAJARANA-CARECA

Ambiente: ponto de ônibus.

Cajarana: 0i Careca, como é que você esta?
Careca: Estudando.
Cajarana: Por que você não participa mais de nossas reuniões?
Careca: É que eu não posso faltar à escola, e fim de semana é o único tempo que eu tenho para estudar.
Cajarana: Você está estudando o quê?
Careca: Técnico de laboratório de analises clíinicas.
Cajarana: Mas o que tem isso a ver com seu trabalho na fábrica?
Careca: É que eu gosto de biologia e quero ser médico. Você vai ver, eu aindo vou ser médico.
Cajarana: Você entra que horas na escola?
Careca: Às 7 h. Saio 6 h da fábrica e vou direto para lá. Janto lá pela meia noite e às 5 h estou de pé de novo. Tenho que fazer duas horas extras por dia, se não, não dá para pagar a escola. E você, Está estudando?
Cajarana: Eu? Eu estou fazendo os exames de madureza do Segundo Grau. Já fui aprovado em quase todas as matérias, só faltam inglês e matemática. Matemática estou tentando estudar sozinho, mas inglês não dá. Tem alguém aí para me ajudar?
(dirigi-se ao público)
(A partir deste momento, cada um fala sua visão de ensino com foco de luz somente sobre o ator)
Gilmar: Eu só fiz o primário. Comecei com 10 anos e terminei com 25. Gosto muito de ler, mas livro grosso de letra pequena não dá. Logo durmo. Meus filhos estão estudando. 0 mais velho é um gênio. É o primeiro da classe. Eles vão ser doutor, vocês vão ver.
Marcos: Eu tenho muita vontade de estudar, mas como eu trabalho em turno, atualmente não dá. Eu queria era ser advogado, mas hoje eu só penso em me aperfeiçoar na técnica.
Severino: Estudar? Como, se trabalho de 8 a 10 h e gasto 4 h em condução por dia?

ATO 5

Ambiente: Mesa de bar

Juca: Nesta altura dos acontecimentos, 2/3 dos companheiros que queríamos em nossa chapa já estão no olho da rua.
Cajarana: Esta do Gilmar ser mandado embora....
Juca: Precisamos arrumar um jeito de registrá-lo em alguma fábrica o mais rápido possível. Ele tem que sair na cabeça da chapa.
Severino: (entrando) Oi minha gente, como estão as coisas?
Cajarana: 0 Gilmar foi mandado embora.
Severino: Tá danado, do jeito que as coisas estão, só estou esperando a minha vez.
Gilmar:(Entrando afobado) Oi seus merdas, os caras por pouco não passam a perna na gente. A inscrição das chapas se encerra amanhã.
Cajarana: Está gozando...
Juca: Mas eles não afixaram o edital no sindicato e em nenhuma empresa. Os companheiros que estão acompanhando os jornais da Região não disseram nada.
Gilmar: Então olha aí sua besta: Popular da Tarde, 19 de Abril, na seção de compra e venda de automóveis, desse tamaínho para ninguém ver.
Juca: Que canalhas.
Cajarana: Como é que você descobriu?
Gilmar: Por sorte um conhecido do sindicato dos bancários, que estava procurando o edital de convocação de uma assembléia daquele sindicato, viu, achou estranho o local, e mandou um recado me avisando.
Negão: Mas eu conversei ontem à noite com o Albenati, que é da Diretoria do sindicato, e ele em disse que ainda não havia saído.
Severino: Os funcionários que trabalham no protocolo da Delegacia Regional do Trabalho também não sabem de nada.
Gilmar: A trama foi bem feita. Publicaram entre vários anúncios do jornal menos lido da cidade. Não cumpriram a Lei que exige que se afixe a publicação no Sindicato. Deve haver gente na Delegacia do Trabalho ajudando a falcatrua, pois o edital nem passou pelo protocolo.
Marcos: Nossa Senhora, já pensou perder o Sindicato por causa de um golpe na publicação do edital?
Cajarana: Vamos agir rápido. Ninguém dorme hoje. Precisamos montar rapidamente uma chapa e ir na casa das pessoas pegar os documentos. Juca você foi promovido a Presidente de nossa chapa.
Gilmar: É isto mesmo. Nós gastamos muito tempo atrás de emprego para os companheiros da chapa e quase perdemos o edital. Temos que ir com quem está empregado. Eu participarei ativamente da campanha. você (dirigindo-se ao Juca) e o Cajarana devem encabeçá-la.
Marcos: Eu sou contra.
Gilmar: Só podia ser, mas agora não dá mais para discutir. Vamos trabalhar.
Severino: Porque a Maria não veio?
Cajarana: Seria bom que depois dessa maratona você fosse à casa dela e saber o que está acontecendo. E você Negão? Tá muito quieto.
Negão: (foco de luz só nele) Eu só sei que o dinheiro do fundo está acabando e eu até agora não consegui emprego. É sempre assim, na hora H desconversam. Não há duvida que estou na lista negra da FIESP. Como é que eu saio dessa?

Diálogo

Ambiente: Portão de casa:

Severino: Não dá nem para você ir à festa de lançamento da chapa?
Maria: Infelizmente não dá. Você nem queira imaginar como está o ambiente aqui em casa.
Mãe da Maria: (uma voz de mulher a chama de traz) Maria, você é uma filha ingrata. Se teu pai morrer do coração a culpa é tua.
Irmão de Maria: (voz de homem por trás) Você está andando com um monte de comunistas. Eu vou te vigiar. Você não sai mais na rua sozinha. Quando você for procurar emprego eu vou junto e fico te esperando no portão da fábrica até você sair.
Severino: Você não acha que já está na hora de sair de casa.
Maria: Para a mulher não é fácil. Só dá para sair casando. E é difícil encontrar um homem que queira casar sem prender a mulher.
Pretendente: (voz de homem atrás) Maria, se você quiser casar comigo tem que parar de trabalhar e de se meter em bagunça. Tem que ficar em casa cuidando dos filhos. Afinal, você não é a rainha do lar?
Severino: você poderia morar com uma amiga.
Maria: Eu gosto muito da minha família e eu não estou a fim de perder a amizade deles. No fundo, a nossa família é o único local seguro. Vou dar um tempo até passar esta fase, depois eu apareço.
Severino: Tudo bem. Aparecerei por aqui para lhe trazer notícias.
Maria: Lembranças ao pessoal.
Severino: Até.

DIÁLOGO

Ambiente

Mesa num escritório.

Relações Industriais RI: Como Relações Industriais dessa empresa queríamos ter uma conversa com nosso futuro Presidente. Você é um operário antigo, e não temos nenhuma reclamação a fazer em relação ao seu trabalho. Agora, sobre tua atuação lá fora, temos uma pasta contendo algumas anotações.
Juca: Poxa, não sabia que eu era tão importante assim.
RI: Na primeira assembléia da campanha salarial você falou a favor da greve. Depois, em outra assembléia você meteu o pau em um grupo de jovens defendendo a então Diretoria do Sindicato. Na última assembléia você defendeu o retorno ao trabalho contra uma boa parte que ainda queria permanecer em greve. Tendo em vista sua capacidade de liderança e suas posições um tanto ambígüas, resolvemos que você não deveria ser mandado embora, acreditando que você até viesse a fazer parte da Diretoria do Sindicato, o que nos interessa. Sabíamos que você estava junto com o Gilmar organizando uma chapa de oposição, mas acreditávamos que por fim iria preponderar um acordo com a atual Diretoria. Confesso que foi uma surpresa ter saído a chapa de oposição e ainda mais com você para Presidente.
Juca: Circunstâncias da vida.
RI: Mas não gostamos muito dessa chapa. Temos informações seguras de que há comunistas em sua chapa. Você sabe que nossa empresa tem muita força, inclusive sobre muitas empresas aqui de nossa cidade. Poderemos colocar nossos contatos a serviço do vocês, ou contra vocês. Para isto você também deve colaborar. Gostaríamos que você isolasse os comunistas de sua chapa. Os aspectos jurídicos para esta transação, nós mesmos encaminharemos.
Juca: Me espanto muito em saber que há comunistas em minha chapa. Conheço todos e ninguém é ligado a partido algum. Depois, observe, a nossa chapa quer mudar o Sindicato para evitar uma futura greve como ocorreu neste ano. Sabemos que o atual Presidente tem seus interesses eleitorais e quer radicalizar para aparecer. A chapa dele é que deve ter comunistas. Já estão falando até em greve no ano que vem!
RI.: Quem são os comunistas da outra chapa?
JUCA: Sei lá, só disse que deve ter. O que a nossa chapa quer é um Sindicato que administre bem a assistência dada aos trabalhadores. A atual Diretoria, como não é muito respeitada pela base, é que irá radicalizar, para depois o presidente se candidatar a Deputado Federal, e pelo partido da oposição. O Senhor vai ver.
RI.: E os comunistas de sua chapa?
Juca: Não tenho conhecimento disso.
RI.: Estamos acompanhando o movimento de vocês. Se você quiser colaborar conosco nós vamos colaborar com você. Até logo Presidente.
Juca: (saindo rebolando): É preciso ter um jogo de cintura...


ATO 6

Ambiente: reunião no Bar.

Marcos: Ele roubou e isto não pode ficar barato.
Severino: 0 resultado saiu à noite. No dia seguinte eu fui trabalhar e já me puseram na rua. Só não me despediram antes porque eu estava inscrito na chapa.
Cajarana: 0 mesmo deve acontecer comigo.
Juca: Também, com a polícia ajudando é fácil roubar. Cercaram as ruas próximas ao Sindicato, ninguém pôde ficar dentro do prédio.
Nem os advogados que estão nos assessorando. De madrugada, trocaram os votos com a maior facilidade.
Gilmar: Nas urnas itinerantes, nossa turma não deu moleza. Quando
Eles tentaram sair correndo com a urna, antes que o Manezinho entrasse no táxi, o Carlão deu uma fechada no táxi com o carro dele. Tivemos até que dar trombada em carro para eles não mexerem nas urnas. Agora, dentro do Sindicato não deu jeito, a roubalheira correu solta.
Cajarana: Acredito que a justiça vai anular estas eleições. Todo o mundo sabe que a categoria nos apoiava.
Gilmar: Tem um grupo de advogados que impetraram um mandado de segurança a nosso favor. Dizem eles que é contra a lei a polícia fechar o Sindicato não permitindo o acesso dos fiscais.
Severino: 0 que é mandado de segurança?
Gilmar: Também não sei direito, só sei que temos que nos manter mobilizados para garantir a vitória na justiça.
Juca: Eu não acredito muito nesta justiça não. Você acha que eles vão dar razão a nós e culpar a polícia?
Cajarana: Precisamos divulgar na imprensa e nos outros sindicatos o que está ocorrendo. A grande imprensa não dá uma palavrinha sequer, apesar dos repórteres estarem todos os dias por aqui. Televisão, nem se fala.
Juca: A te1evisão só fala do Biggs, um ladrão que roubou na Inglaterra e que agora está numa boa aqui no Brasil. Sobre a c1asse operária, nada.
Gilmar: Alguém viu o Negão? Ele sumiu.
Marcos: Amanha vou na casa dele.

Monólogos

VOZ: Pelo menos agora você está empregado.
Negão: Mas é um sofrimento. Uma poeira danada. Saio preto lá de dentro. Trabalhei 29 dias seguidos, 12 a 17 horas por dia. Teve um dia que me pediram para fazer extra até as 2 horas da manhã e ainda tive que voltar algumas horas depois, para pegar de novo no batente. Nesta manhã quase desmaio e provoco um acidente de trabalho. Não tenho tempo para mais nada. Compro jornal todo o dia só para manter o hábito. Da mesma forma que comprei, ele chega em casa. No começo, quando chegava em casa estava com o corpo todo moído, mas não conseguia dormir, era a maior zoeira na minha cabeça. Acho que é por causa do barulho das máquinas. Agora, desço do ônibus, paro no bar e tomo umas três ou quatro canas, pois é só quando eu estou meio alto que eu consigo dormir. Minha mulher, coitada, quando eu deito só dá para dar uma. Mas não é o que você esta pensando não. Só dá para dar uma virada, e é ronco até o dia seguinte.
Severino: Você pelo menos é um profissional. Eu sou um peão que aperta parafuso. Para mim não é faci1 obter emprego não. Tem muita gente que nem eu. Com o dinheiro do fundo de garantia eu dei um jeito na minha casa e guardei um tanto para sobrevivermos, eu, minha mulher e três crianças, por dois meses. O dinheiro já está quase no fim. Estou pensando em me aventurar pelo Mato Grosso para ver o que é que dá. Retirante, saí do Nordeste com a esperança de ter trabalho e paz no sul. Mas acho que minha sina é ser errante mesmo.


Ato 7

Ambiente: Bar com muita cerveja.

Juca: E agora? O mandado de segurança não deu certo, o processo contra fraude, sei lá quando é que vai acabar e estamos em véspera de campanha salarial.
Gilmar: Para esta campanha, nós temos uma responsabilidade muito grande com a categoria. Esta diretoria não fará nada por ela. Acho que devemos soltar um boletim em nome da oposição sindical.
Cajarana: Eu acho que isso não leva a nada. Em vez de aumentarmos, estamos diminuindo. Um boletim em nome da oposição sindical é um convite para mais dispensas da turma que está mais próxima da gente. Temos que assumir a derrota. Devemos trabalhar dentro do sindicato, tentar colocar gente na comissão de salário logo na primeira assembléia da campanha e através dela darmos nossa orientação à categoria.
Gilmar: Na minha opinião, uma coisa não tem nada a ver com a outra. Este negócio de participar de comissão de salário, temos que fazer mesmo. Agora, é importante manter nossa autonomia para sempre emitirmos nossa opinião.
Cajarana: Em nome de manter esta autonomia, estamos fazendo um sindicato paralelo. A maioria da categoria nem sindicalizada é. Os sindicatos ainda são muito fracos. Oposição sindical é para o momento das eleições. Fora das eleições devemos trabalhar para levar a categoria para dentro do Sindicato à partir das fábricas. Se em determinado momento for necessário manter uma posição política diferente, você pode se expressar em termos pessoais.
Juca: O Cajarana tem razão. É melhor recuar. 0 clima é de medo. Veja o Marcos, negou-se a vir a esta reunião. Disse que está gostando do emprego, apesar de ser à noite, e com o fundo comprou um fusca 75, que por sinal não sai da garagem por falta de gasolina. Como a maré não está boa, não quer mais arriscar a pele.
Gilmar: Tudo bem, mas se necessário lançarei um bo1etim. Nem que seja só com o meu nome.
Juca: Sabe Gilmar, primeiro você tem é que tratar de arrumar emprego, se não você acaba perdendo a sua esposa, que não está gostando nada, nada de sua nova profissão de político. Político da classe operária não leva dinheiro para casa, leva polícia.
Gilmar: É verdade. Quanto mais a situação financeira aperta, mais eu entro em atrito com minha mulher. E olha que nós nos demos muito bem até hoje. Já se vão 11 anos de casamento.
Juca: (Foco de luz só ne1e) Apesar de toda esta historia ninguém deve desistir da luta não. Não dá, né? Se a gente parar de lutar qual será a nossa saída? Agora mesmo, a minha empresa ameaçou todos os empregados. Ou 2.000 vão embora, ou a gente tem que aceitar trabalhar com redução de salário. Isto bem na hora em que queremos um aumentozinho. Nós temos que ter uma proposta para a categoria. Qual a sua opinião companheiro?

(Apagam-se as luzes)

Fim