Monday, June 25, 2012

Quinta Internacional e a Fé Bahai

Uma conversa com um amigo me inspirou a escrever um pouco neste blog sobre A Quinta, idéia que já vem amadurecendo algum tempo na minha mente inquieta. Escrevo inicialmente os textos que trocamos via email e em seguida as minhas ponderações sobre A Quinta.

Caro Amigo

Eu te respeito assim como respeito a todos que acreditam que Deus criou o Homem e que Ele envia manifestantes à humanidade de tempos em tempos. Reconheço que este é um dos dogmas da Fé Bahai. Eu também acho digno de respeito aqueles que acreditam que o Homem é quem criou Deus para tentar se aproximar de uma perfeição na sua jornada na Terra e resolver o medo da morte. Respeito aqueles que acreditam que todos os manifestantes de Deus são na verdade homens carismáticos e iluminados intelectualmente, mesmo que uma grande massa de seguidores e eles mesmos acreditem terem sido enviados por Deus.

Cheguei à Fé Bahai por duvidar de qualquer dogma e estar sempre na busca da unidade na diversidade. Fora as nossas diferenças de como chegamos à Fé Bahai e de como aceitamos ou não a divindade de Bahaullah, a prática da religião nos une: a prioridade para crianças e adolescentes na educação por valores, a paz, a ecologia, os direitos humanos, respeito a todas as fés religiosas ao incluí-las em um todo histórico e o modelo de governança e de processo de decisão. Pertencer a uma comunidade que tem esta prática, e que acolhe todos que aceitam esta prática independente de suas motivações é o que me fez Bahai. Será que tem espaço para aceitarem um cara como eu na Fé Bahai? Dá para respeitar Bahais que não acreditam na divindade de qualquer ser humano que tenha passado pela Terra? Dá para respeitar Bahais que aceitam a Fé pela uso da razão deles e não pelos dogmas de outros? 

Um abraço, Davi


Oi Davi,

Primeiro fico feliz em saber que esse assunto rende uma discussão mais profunda. Quanto ao caráter divino dos manifestantes de Deus e da sua natureza como "seres especiais", concordo que afirmar que eles recebem uma revelação de Deus de uma forma única e exclusiva e que são seres com uma natureza independente é algo muito forte e pode passar uma postura dogmática e fechada. Não era essa a intenção.

Acho também importante separar as coisas. Acredito que por um lado os Manifestantes de Deus tem uma posição diferente e única, por outro lado religiões, seitas e cultos construídos depois têm um caráter totalmente distinto. Criar seitas, adotar costumes de um povo como sendo referencias espirituais, multiplicar santos e ídolos como uma profissão de Fé e adotar milagres com prova da existência do Divino não é algo que um homem ligado a ciência tanto quanto a religião pode fazer. Dai entramos naquela contradição tradicional levantada por muitos, pode um homem inteligente e racional aceitar a espiritualidade na sua vida sem ser tomado por dogmas e superstições? 

O que citei (me referindo a um texto de Bahá'u'lláh) é a Fé e amor a Deus como motivação de intenções puras para com os nossos semelhantes. Em uma epístola Ele se refere as intenções de políticos e poderosos que fizeram grandes realizações no passado mas que secretamente nutriam desejos, ambição por reconhecimento e poder. Acredito que o motivo central desse "erro" seria não entender a natureza espiritual de nossas vidas. De dogmas vazios o mundo já está cheio... 

Quanto a tua colocação se a Fé tem lugar pra você do jeito que você é, eu também sempre me pergunto se a Fé Bahái tem um lugar pra mim já que não sou nem estou próximo de espelhar o que Abdul-Bahá descreve com sendo um Bahá'í de verdade. Sendo assim: Bem vindo ao clube!

Abraço grande,
Amigo


A Quinta

Caros colegas que um dia se vincularam a movimentos ou partidos revolucionários, vinculados ou não a primeira (de Bakunin), a segunda (de Marx) a terceira (de Lenin) ou a quarta (de Trotsky) internacional:

Gostaria de compartilhar que entrei em um Movimento Revolucionário Internacional ou "A Quinta" ou Fé Bahai que já conta com milhões de membros a nível internacional e alguns milhares a nível nacional. As pessoas se tornam Bahais por diversas razões. A maioria são pessoas de fé religiosa que procuram encontrar uma ordem e uma razão existencial para viver e morrer. Outros são ex-marxistas como eu que procuram uma nova ordem social. Outros são ex-alcoólatras que encontram no movimento uma razão para estarem longe da bebida. Outros têm alguma doença mental que precisam de algo estruturado para organizar o caos de suas mentes. Outros são pessoas ou minorias que costumam não serem acolhidas ou respeitadas. Enfim, o movimento acolhe a todos, e seja qual a razão da entrada todos acabam aprendendo a ter Fé, a agir pelo benefício do bem comum e se tornarem pessoas melhores.

O que queremos:

1. Queremos uma nova ordem que venha a substituir gradativamente a velha ordem através da construção de novos modelos de organização da sociedade. Este novo modelo tem como base a solidariedade e não a competição; o atendimento das necessidades de consumo legítima dos pobres, mas não do consumismo; uma educação de crianças por valores; resolução de conflitos através da mediação e no aperfeiçoamento espiritual do ser humano.

2. O princípio básico é a unidade na diversidade. Portanto participa de todos os movimentos que unificam a humanidade. Cada membro deste movimento deve fazer parte de qualquer dos seguintes outros movimentos: igualdade do homem e da mulher no mercado de trabalho, no valor a ser dado ao trabalho de manutenção da família, contra a discriminação racial, ecologia, saúde pública, educação em geral e de valores em particular, direitos humanos, direitos de qualquer minoria, liberdade de expressão, resolução de conflitos por mediação-arbitragem, etc... Este pertencimento envolve escolher fazer parte de conselhos gestores populares, organizações inter-religiosas, ou fazer parte como voluntário de ONGs ou outras instituições do terceiro setor que atuem nestas áreas. Vota-se em eleições como qualquer cidadão, mas não se participa de partidos políticos, pois hoje os partidos têm que obedecer a lógica da divisão e não da unidade para vencerem. A Democracia Liberal não é o fim da História para os Bahais.

3. A mudança da sociedade sempre se dará por forma pacífica, transformado-a através de canais legais e através de um longo e gradativo processo de construção. Para isto faz-se necessário investir no ser humano que se dispõe a participar deste movimento. O primeiro investimento é se despir de qualquer julgamento sobre a conduta das outras pessoas. Zero tolerância para fofocas. O segundo investimento é no desenvolvimento espiritual da pessoa: atributos como honestidade, respeito mútuo, capacidade de expressar idéias e sentimentos, capacidade de ouvir os outros, humildade, não uso de drogas que afetam o comportamento, competição por excelência (constante superação para servir cada vez melhor), mas não competição contra o outro, etc.

4. O nosso modelo econômico tem como base a família e não o indivíduo como na sociedade atual. O modo como definimos e organizamos nossa economia expressa o que valorizamos e está intimamente relacionado ao avanço da igualdade entre mulheres e homens. A sociedade deve desenvolver novos modelos econômicos que surgem de um entendimento favorável de experiência compartilhada, possibilitando que os seres humanos enxerguem uns aos outros. O fato do trabalho para a garantia do sustento e os cuidados no seio da família não serem mais compartilhados entre homens e mulheres cria tensões diárias para a disponibilidade de tempo para carinho e atenção aos filhos e de um para com o outro. Onde mais a economia competitiva avança, é menor o número de filhos por família. Estar em casa cuidando dos filhos não é mais um valor nobre. Muitas mulheres hoje têm que optar entre ter filhos ou se desenvolver em suas carreiras. Em muitas áreas da economia, aquelas que optam por suas carreiras encontram um mercado dominado no topo por homens e adiam ter seus filhos - com prejuízo a saúde - para não perder a “competição” no início de suas carreiras. Ter filhos não é valorizado nem economicamente - redução de salário e pouco tempo de licença maternidade - nem em suas carreiras. A licença paternidade é uma miragem na grande maioria dos países. Já as que optam por abrir mão de um início de carreira quando ainda jovens não ganham salário por dar maior atenção aos filhos nos primeiros anos de vida. O não compartilhamento econômico da mãe reafirma o papel de provedor para o pai, afastando-os de uma relação de igualdade. 

5. Outro aspecto de nosso modelo econômico é a sustentabilidade ambiental. O modelo predatório atual vai levar a crescentes rupturas da natureza e por fim à destruição da humanidade. O nosso movimento participa ativamente da construção de uma nova ordem com base nas conferencias decenais da ONU sobre desenvolvimento sustentável. Estivemos na ECO 92 e desde então participamos da Rio+10, Rio+20 e os paralelos encontros da Cúpula dos Povos.  

Como nos organizamos:

1. O desenvolvimento espiritual passa por admitir a existência de Deus, seja ele o criador do homem, seja ele criado pelo homem. Deus se relaciona com a humanidade através de profetas, mensageiros, que a cada tempo e local traz novas visões de mundo e organização social para a humanidade dar um salto de qualidade (para os ateus podem ser os filósofos). Todas as religiões monoteístas são consideradas como parte de um todo historicamente determinado. A última mensagem para os tempos atuais foi trazida por Bahaullah, cidadão/mensageiro de Deus de origem persa que viveu e produziu seus escritos na segunda metade do século XIX. Ele é o responsável pela criação do movimento. Este movimento ganhou estrutura internacional nos meados do século XX. A primeira reunião de sua direção internacional ocorreu em 1962. A direção se denomina Casa da Justiça e está sediada em Haifa, Israel, local onde Bahaullah morreu (estava em prisão domiciliar na fortaleza de Aca, Palestina, Império Otomano, hoje Haifa, quando morreu). Há grande número de Bahais na India, na América do Norte e mais recentemente na China. No Irã o movimento é ilegal, a direção está presa, muitos Bahais foram assassinados, muitos se encontram no exílio e os milhares de remanescente continuam perseguidos.

2. Há quatro tipos de reunião: a de base geográfica, o círculo de estudos com os amigos, reuniões abertas para com os amigos que não são do movimento e reuniões de desenvolvimento espiritual. As reuniões de base geográfica têm três partes: relaxamento/orações, monitoramento das ações para melhora da qualidade de vida naquela base geográfica, e lanche coletivo. As reuniões de círculo de estudos são de leitura de livros e textos do movimento que têm um instituto além de extensa bibliografia para alimentar estes círculos. A freqüência e a escolha do material de estudo ficam a critério de cada círculo. As reuniões abertas se dão na casa de Bahais que convidam pessoas que queiram se inteirar das idéias do movimento. Em geral são organizadas por temas. As reuniões de desenvolvimento espiritual estão relacionadas com a leitura de orações e/ou desenvolvimento de habilidades artísticas e são abertas para Bahais e não Bahais também. 

3. O objetivo de cada reunião é a busca de consenso em torno do tema da reunião. Uma vez colocada uma fala na roda de conversa, ela deixa de pertencer ao indivíduo que a expôs e a fala passa a pertencer ao grupo. Não há ganhadores ou perdedores na troca de idéias.

4. Uma vez membro formal do movimento, contribuições para financiar sua manutenção devem ser realizadas. A freqüência e o montante estão a cabo de cada indivíduo e é assunto privado. A interrupção das contribuições não impede a participação no movimento. Estas contribuições ajudam a manter as sedes que servem como livraria e locais de reuniões. A cidade de São Paulo tem uma sede. 

5. Fazer parte da Fé Bahai de forma formal é uma decisão de cada indivíduo que se declara estar pronto para assumir este compromisso em sua vida. O movimento propaga suas idéias de forma orgânica (uma a um), mas não visa a converter ninguém. Se aceita que um dia, após várias conversas e experiências, algumas pessoas descobrirão a importância da Fé Bahai em suas vidas. Outras retornam à suas religiões com outro olhar. Outros resolvem aderir aos movimentos de unificação da humanidade com mais afinco, mas querendo manter sua individualidade acima de qualquer compromisso de grupo. Para um Bahai qualquer influência na elevação da conversa com quem quer que seja rumo aos propósitos do movimento é uma vitória.

6. A grande inovação para a governança da humanidade está na forma de eleição da direção. Para a direção deste movimento a votação não só é secreta como não há candidatos nem campanha. Todos são candidatos e podem a vir a ser eleitos. O momento da eleição é um momento de silêncio e concentração. Uma vez eleito para a direção a pessoa eleita está na função de servir e, portanto, atuará de forma anônima, em nome da direção do movimento (não se pode utilizar o cargo para fins de promoção pessoal). Uma vez eleito a pessoa pode pedir a demissão do cargo após a primeira reunião da direção recém-eleita caso haja razões pessoais para tal. Todos os órgãos de direção têm um período de mandato (cada quatro anos).

Concluindo:

As condições objetivas para a evolução de uma humanidade dividida e competitiva para uma humanidade unificada e cooperativa estão dadas: a internet, a difusão do inglês como a língua de comunicação entre todos os povos e o risco de destruição do Planeta pelo desenvolvimento não sustentável. A Quinta Internacional ou Fé Bahai se dispõe a criar as condições subjetivas para tal transformação.

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